Texto e Poesia
Butantã
Volta
Gororoba tupi-guarani
Águas Revoltas
Aqui se encontra um acervo de textos poéticos inspirados no "Repensando o Apocalipse: Um Manifesto Indígena Anti-Futurista." e áudios de narrações desses textos, cada criação buscando transmitir a realidade dos povos originários e a bagagem histórica que carregam em sua cultura através de narrações escritas e faladas.
Tempos de Hiena
Brasa por Justiça
Parabéns, colonizadores.
Glossário
Não creio no diabo,
Mas já vi satã
Vestindo couro, chapéu e pólvora
Queimando seco o ventre da mata
Gastando apreço pela definição de raça
Tirando o ser do que se é
Aculturação
Tentaram nos fazer esquecer
Mas, em cada corpo reside uma nação
Há força em cada batida de pé no chão
E quando escuto meus ancestrais
E nos sonhos percebo seus sinais
A sabedoria em emergência
Lembro de não esquecer quem sou
A memória atravessa nossa existência
Poema escrito e declamado por: Marcos Davi
Volta
Poema escrito e declamado por: Marcos Davi
A vida não é uma flecha
Não há final, meio e começo
A história não cessa
Cada ciclo um ensinamento
O passado é agora
O futuro sou eu
O progresso não me impressiona
E, de fato, não é meu
Meus ancestrais me mostram o caminho
O tempo é quem tece o destino
Voltar é algo que preciso
Pajé me disse uma vez
“Passarinho que não aprende com a mãe
Morre sozinho na mata sem saber voar
Sejamos mães e filhos, aprender e ensinar
Poema escrito e declamado por: Marcos Davi
Gororoba Tupi-guarani
Poema escrito e declamado por: Lorenna Barreto
Águas Revoltas
O semblante é como areia afogando-se no oceano
Pupilas dilatadas destacando o Urucum sobre a pele
De longe se viu os Rebeldes antinacionalistas
De perto a prisão que jamais se esquece
Negar a identidade nacional
Reivindicar a identidade interior
Eles só lembram da batalha dos corpos
Mal viam a mente num estupor
Todos pintaram a cortina de fumaça
Uma mentira e Ilíada interminável
Assim revelou-se a verdadeira face
Então tornou-se abominável
Tentaram me enterrar sem cor e sem nome
Ressuscitei como um estranho e honrei meus mortos
Senti pena dos vivos e daqueles em amor
Parti meu coração em mil e joguei sobre os corpos
Minhas memórias são a constituição
Todas dolorosas e absortas
Falo não só do fogo que nos queimou
Mas também daquelas águas revoltas
Poema escrito e declamado por: Lorenna Barreto
Tempos de Hienas
Não me lembro que dia era quando a fumaça se espalhou e o sol não nasceu mais
O Curió pousou cansado na beira do precipício
A Hiena lhe aguardava como um carrasco
Eu observava de longe, sentindo minhas lagrimas afogarem a terra
Uma praga se alastrou e muitos olhos lacrimejaram
A Hiena sorria para o Curió ferido
Ela o rodeava, marcando seu cheiro pútrido
Aquela fronteira era o limite, território de outras hienas como ela
O Curió já sabia a guerra que seus ancestrais lutaram e que teria que lutar agora
“Fui eleito” ela disse
Roubo e sangue quente
“Quero te fazer igual a mim”
Um deboche, cinismo, uma violência
“Não sou igual a tu”
E nunca seria, o Curió quis cuspir
Oh, meu Curió tão belo e ferido
A semente da nação de brasa
Mirou a mim e as minhas estrelas
Pedindo compaixão e força
Agora tendo que olhar a peste nefasta forasteira
“Certa vez tive um bicho igual a tu”
Ah, com certeza ela via apenas bichos, o Curió pensou
“Vocês estão evoluindo, quase um ser igual a nós”
O passarinho ferveu, assim como as queimadas na mata
Aquele era o novo mundo, mas teria seu fim
A alvorada na reserva era como um fio de esperança Mesmo machucado e com fome, o Curió tinha pena da Hiena
Porque aquele reinado não duraria para sempre
E aquela criatura vã e amaldiçoada cairia num poço profundo
“Pobre passarinho, você não tem poder aqui”
Meu Curió não fazia questão
Mas a besta tinha que pagar
Tinha que devolver suas fronteiras que não lhe pertenciam “A praga está cada vez mais forte” o Curió disse
“Um resfriado não vai te matar” a Hiena sorriu
O passarinho nada disse
Porque as pragas não sorriam por muito tempo
Poema escrito e declamado por: Lorenna Barreto
Brasa Por Justiça
Aquele homem deitado sobre o couro
Já nasceu desvirtuado sob o sol de seu opressor
Acariciava minha pele áspera e violentada
Balbuciava meu nome verdadeiro, Vermelha, como deveria ser
Ele eram um criador da arte que ninguém compreendia
Seu povo vivia um futuro de um passado que nunca os pertenceu
Um apocalipse fantasma de uma ordem social
Construída sobre genocídio e escravidão
Aqueles touros brancos do Vale do inferno
Aquele homem ainda era meu filho e traçava como ninguém
Os desenhos são como caminhos e caminhos são como tecidos
A união das metades a conexão do que é visível e invisível
Eu fui a casa de muitos deles
Daquele Xamã que via o que não se podia ver
Através do gosto amargo do tabaco
Eu queria tirar aquilo que sustentava os homens brancos Vidas Roubadas que eles engoliram com um gole de leite
Como aquele homem de bigode engraçado
O xamã vê o mundo pelos olhos da serpente
A ontologia da transformação guia sua arte
Então ele me disse:
“Brasa, eles odeiam a nossa liberdade”
E nós odiamos eles, eu disse
“Mas eles Entraram na minha mente”
Eu sabia que sim
Mas seu espírito continuava lá mesmo querendo partir
Eles pensam que meus filhos estão mortos por dentro Engraçado, eles também são meus filhos
Mas eles não se importam
E se o grito de justiça fosse um grito de vingança?
E se meus filhos mutilados ateassem fogo ao invés de cantos?
Aquele capitalista não passa de um saqueador
Ainda posso sentir o cheiro da ruína
Dos quadros de argila fervendo nas paredes
Sempre foi sobre a existência e não-existência
Com a única certeza de uma morte certa
Talvez eu não queira justiça e sim vingança
A única arma do meu filho é a arte
Eu disse para não se enganar com o touro de chifres polidos
Eles pregam paz e matam porque acham graça Transformaram cura em veneno
Fizeram meus filhos marcharem para o Planalto
Me fez questionar outra vez
E se a justiça fosse Vingança?
Poema escrito e declamado por: Dylan Luna
Parabéns, colonizadores
Parabéns, colonizadores.
Pela morte das terras através de seus machados.
Pela poluição das águas que se tornaram secas.
Pelo incêndio do lar de tantos seres vivos.
Pelo genocídio direto e indireto de uma população.
Pelos estereótipos que vocês criaram
para justificar sua superioridade em relação aos indígenas.
Pela sua ganância em explorar riquezas dessas pessoas
sem o mínimo consentimento delas.
Pela miscigenação violenta que vocês impuseram
para fazer com que todas as etnias, menos a sua, desaparecessem.
Pela redução de todas as pessoas indígenas e suas crenças
a coisas folclóricas e do passado.
Mas ainda há indígenas aqui no presente.
Lutando para ter seus direitos reconhecidos,
mesmo que eles ainda sejam constantemente ignorados.
Espero, no futuro, ver esses direitos conquistados.
Ver pessoas indígenas ganhando espaços e contando a própria história.
História essa que,
quando contada pelo oprimido,
revela a verdadeira face do opressor.
Nossos descendentes saberão quem vocês foram e o que vocês fizeram.
É por isso que querem ser lembrados?
Vocês têm orgulho de seus feitos?
Deveriam ter pensado nisso
antes de tomar tudo que viam pela frente.
Ainda há tempo de se desculpar,
mas não há como desfazer os erros do passado.
De qualquer forma,
parabéns, colonizadores.
Espero que sintam vergonha do sistema de desigualdades criado por vocês
Glossário
Butantã = Do Tupi-Guarani: bu (ibi) = terra; tatã (atã, tantã) = muito duro.
Gororoba = do Tupi-Guarani: guara – arvore; roba – amargo.
Buriti = Do Tupi-Guarani: mbur = alimento; iti = árvore alta; = árvore alta de alimento ou de vida.
Cipó = do Tupi-Guarani: ici-fila; pó-fileira. Nome genérico de todas as plantas de hastes finas e flexíveis que servem para atar; plantas trepadeiras que pendem das árvores; embira
Igapó = substantivo masculino Trecho de floresta com água estagnada em decorrência do transbordamento de rios.
Igarapé = do Tupi-Guarani: ir-r´apé = caminho d’água.
Gariroba = do Tupi Guarani guara-iroba = o indivíduo amargo. Palmeira; coco amargoso.
Jacaré = Do Tupi-Guarani: jaeça-caré = o que olha de banda.
Curumim = Palavra de origem tupi, e designa, de modo geral, as crianças indígenas.
Guri = do Tupi-Guarani: guirii – terno, brando. Termo muito usado no Sul do Brasil, para criança do sexo masculino .
Jururu = do Tupi-Guarani: juru-ru = pescoço pendido. Triste,abatido, chateado, desiludido
Baiacu = é como são chamadas diversas espécies de peixes que “incham” quando se sentem ameaçados. Do Tupi-Guarani: grafia antiga maiacu de mbaé-acu = a coisa quente, venenosa, por causa do seu fel.
Oiapoque = do Tupi-Guarani: oia-poc = o que explode ao abrir-se. Nome de uma cidade município e de um rio que banha o estado do Amapá.
Sapucaí = do Tupi-Guarani: sapucaia-i = rio do galo ou rio que grita.
Boitatá = Gênio que protege o campo e as matas dos incêndios; cobra-de-fogo. Do tupi-guarani: m(baé) – coisa; tatá – fogo; coisa de fogo.
Iguapé = na enseada, no lagamar, na bacia fluvial. Serve de porto.